Não podemos mais aceitar o sistema prisional brasileiro como um “depósito de gente”. Para a população negra, o cárcere não é apenas uma punição; é uma máquina de moer futuros, desestruturar famílias e perpetuar a pobreza. O diagnóstico já foi feito: vivemos um Estado de Coisas Inconstitucional. Agora, precisamos passar da denúncia para a ação tática.
Apresentamos abaixo uma estratégia para garantir que a lei saia do papel e que a dignidade negra seja respeitada, dentro e fora das grades.
1. O Mapa das Violações: O Que Está Sendo Quebrado?
Para agir, precisamos saber exatamente qual regra o Estado está infringindo. A população negra encarcerada é vítima de um descumprimento sistemático das seguintes normas nacionais e internacionais:
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Constituição Federal de 1988:
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Art. 1º, III: Dignidade da Pessoa Humana (violada pela superlotação e condições insalubres).
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Art. 5º, XLIX: Respeito à integridade física e moral do preso.
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Lei de Execução Penal (LEP – Lei 7.210/84):
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Descumprimento massivo do direito à educação, trabalho remunerado e assistência à saúde.
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Estatuto da Igualdade Racial (Lei 12.288/10):
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Violação do dever do Estado de garantir oportunidades iguais à população negra.
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Tratados Internacionais:
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Regras de Mandela (ONU): Regras mínimas para o tratamento de presos (violadas pela falta de higiene, comida podre e tortura).
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Regras de Bangkok (ONU): Tratamento de mulheres presas (violadas quando não há berçários, absorventes ou quando mães são separadas dos filhos).
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Princípios de Yogyakarta: Direitos da população LGBTQIA+ (violados pela alocação de mulheres trans em presídios masculinos sem respeito à identidade de gênero).
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2. Estratégia Efetiva: O Que Fazer e Quando (Plano de Ação)
Propomos 5 Eixos de Ação Imediata, com prazos estimados para implementação via pressão jurídica e política.
Eixo 1: Estancar a Entrada (Fim do Perfilamento Racial)
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Ação: Litigância estratégica nos Tribunais Superiores para anular prisões baseadas apenas na “atitude suspeita” ou “tirocínio policial” sem prova objetiva, prática que atinge majoritariamente negros.
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Meta: Estabelecer critérios objetivos de quantidade de drogas na Lei 11.343/06 para diferenciar usuário de traficante.
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Prazo Estimado: Imediato a 12 meses (Acompanhamento do julgamento no STF sobre porte de drogas).
Eixo 2: Tecnologia e Afeto (Fim da Revista Vexatória)
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Ação: Fiscalização rigorosa da decisão do STF (Tema 998). Exigir dos Governadores a compra imediata de Body Scanners e punição administrativa para agentes que insistirem no desnudamento de visitantes.
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Meta: Zero revistas íntimas manuais em todo o território nacional.
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Prazo Estimado: Até 24 meses (Prazo dado pelo STF, mas exigimos cronogramas estaduais trimestrais).
Eixo 3: Educação Digital e Trabalho Qualificado
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Ação: Derrubar a barreira da “segurança” que impede a entrada de tecnologia. Propor Projetos de Lei estaduais que obriguem a instalação de laboratórios de informática controlados para Ensino Superior EAD e cursos de programação dentro das unidades.
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Meta: 30% da população carcerária matriculada em ensino profissionalizante ou superior.
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Prazo Estimado: 12 a 36 meses.
Eixo 4: Cotas de Emprego para Egressos (A Nova Abolição)
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Ação: Pressão no Congresso Nacional para aprovar a Lei de Cotas para Egressos em âmbito federal, obrigando empresas que vencem licitações públicas a contratarem ex-detentos (com recorte racial e de gênero).
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Meta: Garantir emprego para quem sai, quebrando o ciclo de reincidência.
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Prazo Estimado: 18 a 24 meses (Tramitação legislativa).
Eixo 5: Mutirões de Revisão Penal com Recorte Racial
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Ação: Parceria com Defensorias Públicas para revisar processos de mulheres negras mães (para prisão domiciliar) e presos provisórios que já cumpriram o tempo da pena.
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Prazo Estimado: Contínuo e Imediato.
3. Leituras Obrigatórias e Referências Fundamentais
Para embasar nossa luta, indicamos as seguintes obras e documentos que todo ativista antirracista deve conhecer:
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“A Nova Segregação: Racismo e Encarceramento em Massa” (Michelle Alexander): A bíblia para entender como a “guerra às drogas” é uma guerra aos negros.
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“Estarão as Prisões Obsoletas?” (Angela Davis): Para questionar a lógica de que prender resolve problemas sociais.
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“O Que é Encarceramento em Massa?” (Juliana Borges): Uma análise focada na realidade brasileira e no genocídio negro.
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ADPF 347 (STF): O documento jurídico que reconhece o “Estado de Coisas Inconstitucional” nas prisões brasileiras. Leitura essencial para advogados.
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Relatórios do Mecanismo Nacional de Prevenção e Combate à Tortura: Dados anuais sobre a realidade dos presídios (disponíveis no site do governo federal).
4. Casos e Sinais de Alerta
Por que precisamos agir hoje? Porque os sinais estão gritando:
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O Caso da “Maconha vs. Cocaína no Helicóptero”: Enquanto jovens negros são presos por portar gramas de maconha e condenados por tráfico, donos de helicópteros com toneladas de cocaína muitas vezes respondem em liberdade ou não são vinculados ao crime. A lei é seletiva.
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Mães no Cárcere: O aumento de 600% na população carcerária feminina nas últimas décadas, a maioria por tráfico não-violento (levar drogas para companheiros ou pequeno comércio de subsistência), destruindo lares chefiados por mulheres negras.
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Chacinas Prisionais: Os massacres em Manaus, Roraima e Rio Grande do Norte nos últimos anos mostram que o Estado perdeu o controle, entregando a gestão da vida e da morte às facções.
Convocação: O Brasil convoca advogados, estudantes, parlamentares e a sociedade civil. O plano está traçado. A lei está do nosso lado. Falta a vontade política, e essa nós vamos arrancar com organização e luta.
Junte-se a nós.
Este artigo serve como documento norteador para as ações do Núcleo Jurídico e de Políticas Públicas

