O “Almoço com Cidadania” da Educafro Brasil é, há anos, um espaço de aquilombamento, onde alimentamos o corpo, a alma e a estratégia da nossa luta. Esta semana, tivemos a honra de partilhar esta mesa com uma figura que representa a materialização de décadas de batalha: o recém-nomeado Desembargador do Tribunal de Justiça de São Paulo (TJ-SP), Dr. Derly Barreto e Silva Filho.
A visita do Desembargador Derly à nossa casa não é um evento protocolar. É um símbolo potente. É o encontro do movimento social que luta incansavelmente para abrir as portas com o homem negro que, por mérito e resiliência, conseguiu atravessá-las.
Para Frei David e toda a família Educafro, esta presença é a validação de nossa missão: provar que a inteligência e a competência do nosso povo, quando aliadas à oportunidade, podem e devem ocupar os mais altos postos de decisão da República.
O Abismo da (In)Justiça: Por que Esta Nomeação Importa?
Para entender a magnitude da nomeação do Dr. Derly, é preciso encarar os números que definem o Judiciário paulista. O TJ-SP é a maior corte do país. No entanto, é também um dos retratos mais fiéis do “pacto narcísico da branquitude” que governa o Brasil.
Vamos aos fatos, com base em levantamentos recentes:
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O TJ-SP é composto por 360 magistrados.
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Deste total, apenas 17% são mulheres.
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Em um levantamento anterior sobre a composição racial, de 359 desembargadores, apenas 1 (um) se autodeclarou preto (0,2%) e oito se declararam pardos. Cerca de 96% da corte são brancos.
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Isso tudo em um estado onde 41% da população é preta ou parda.
Estes números não são um acaso. São o resultado de um sistema desenhado para a exclusão.
A nomeação de Derly Barreto e Silva Filho — um procurador de carreira com 32 anos de serviço e Doutor em Direito Constitucional — é uma ruptura necessária nesse muro. É um pequeno, mas fundamental, avanço na diversidade racial de uma corte que desesperadamente precisa dela.
O Poder de Mudança: O Que Esperamos de um Desembargador Negro?
A importância desta nomeação vai muito além da representatividade simbólica. O poder de mudança que um desembargador negro traz para o povo é real e se desdobra em três dimensões cruciais:
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O Fim da Justiça Cega (e Branca): Como afirmou a advogada Priscila Pamela, “O que traz justiça é justamente a aproximação do juiz com o seu jurisdicionado… E isso só se faz possível com a pluralidade de olhares e experiências que a diversidade traz”. Um magistrado negro não precisa ler em um livro o que é o racismo estrutural, o perfilamento racial (racial profiling), a violência policial ou a falácia do “auto de resistência”. Ele carrega essa vivência. Sua “lente” da realidade é diferente, e isso muda a forma como a lei é interpretada e aplicada.
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O Impacto nas Decisões: A presença de um olhar crítico e diverso no colegiado tem o poder de influenciar decisões cruciais para o nosso povo. Debates sobre a ADPF das Favelas, a constitucionalidade das cotas, a interpretação de crimes de injúria racial e a análise da “guerra às drogas” mudam de patamar quando há um jurista negro na mesa, com autoridade e direito ao voto.
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A Materialização da Esperança: Para os milhares de jovens dos CPOPs (Cursinhos Populares) da Educafro, a imagem do Desembargador Derly Barreto sentando-se à mesa conosco é a prova de que a nossa luta vale a pena. Mostra que o caminho que pregamos — o da educação de excelência, da disciplina e da ocupação de espaços — não é um sonho vazio. É uma estratégia viável. Ele é a prova de que o nosso lugar é, sim, no topo.
A Luta Continua: A Batalha das Mulheres Negras
Embora celebremos esta vitória, não podemos, em sã consciência, ignorar o que a própria nomeação representa: um avanço incompleto.
O Governador Tarcísio de Freitas escolheu dois homens (Dr. Derly e o advogado Daniel Blikstein), deixando de fora as três mulheres que compunham a lista sêxtupla. Em um tribunal onde as mulheres já são uma minoria gritante (apenas 17%), esta escolha representa um retrocesso na paridade de gênero.
A Educafro saúda o Desembargador Derly Barreto e Silva Filho e agradece profundamente sua visita inspiradora ao nosso Almoço com Cidadania. Sua ascensão é a nossa ascensão.
Ao mesmo tempo, reafirmamos nosso compromisso inabalável: a luta só estará completa quando o Poder Judiciário refletir a totalidade do povo brasileiro. Continuaremos batalhando incansavelmente até que as portas do TJ-SP e do Supremo Tribunal Federal (STF) se abram para a voz que mais precisa ser ouvida: a da mulher negra.
