A Lição da Namíbia e a Cadeira Vazia no Brasil: A Urgência de uma Ministra Negra no STF

Enquanto o Brasil debate, a Namíbia faz. Enquanto nosso país patina em promessas de inclusão, a nação do sudoeste africano, forjada na luta contra o apartheid, nos oferece uma lição poderosa sobre o que significa, na prática, construir uma democracia que se pareça com seu povo. Hoje, a Namíbia é governada por uma mulher negra, a primeira-ministra Saara Kuugongelwa-Amadhila, e ostenta um dos mais altos índices de paridade de gênero no parlamento em todo o mundo.

A realidade namibiana não é um acaso. É um projeto. Um projeto que nos obriga a olhar para o nosso próprio espelho e perguntar: por que o Brasil, um país onde mais da metade da população é negra, continua a tratar a presença de mulheres negras nos mais altos espaços de poder como uma utopia e não como uma urgência?

 

O Exemplo da Namíbia: O Poder da Representatividade na Prática

 

A Namíbia alcançou sua independência em 1990, após décadas de uma brutal dominação sul-africana. A memória da exclusão e da violência racial está viva, e foi a partir dela que o país construiu um projeto político de inclusão. A ascensão de mulheres a cargos de liderança, como a primeira-ministra Kuugongelwa-Amadhila e a vice-primeira-ministra Netumbo Nandi-Ndaitwah, é a consequência direta de uma decisão política consciente.

O impacto dessa presença é transformador:

  1. Normalização do Poder: A presença constante de mulheres negras em posições de liderança quebra o estereótipo de que o poder é um espaço masculino e branco. Para as meninas e jovens namibianas, ver mulheres governando não é uma exceção, é a normalidade.
  2. Novas Perspectivas na Política: A inclusão de mulheres, especialmente de mulheres negras que conhecem a fundo as desigualdades, traz para o centro do debate pautas que antes eram negligenciadas: saúde materna, combate à violência doméstica, acesso à educação e justiça econômica.
  3. Avanço na Paridade: Não é coincidência que a Namíbia seja frequentemente listada entre os países com maior representação feminina no parlamento. A liderança feminina no Executivo cria um ciclo virtuoso, incentivando e abrindo portas para que mais mulheres entrem na vida política em todos os níveis.

A Namíbia nos ensina que a paridade não é um favor ou um gesto simbólico; é uma estratégia inteligente para a construção de uma sociedade mais justa e eficiente.

 

O Retrato do Brasil: O Espelho Pálido do Poder

 

Enquanto isso, o Brasil vive um abismo entre o país real e o país oficial. Em 134 anos de história, o Supremo Tribunal Federal (STF) teve 172 ministros. Desses, apenas três foram mulheres — e nenhuma delas negra. Atualmente, temos apenas uma mulher, a Ministra Cármen Lúcia, em uma corte de onze homens.

Essa fotografia pálida e masculina não se restringe ao STF. Ela se repete no Congresso, nos governos estaduais, nos tribunais superiores e no comando das grandes empresas. É a prova de que as estruturas de poder no Brasil continuam sendo um clube fechado, regido pelo que a psicóloga Cida Bento chama de "pacto narcísico da branquitude": um acordo silencioso para proteger o poder, o prestígio e a normalidade do olhar branco sobre o mundo.

 

A Vaga da Reparação e a Mobilização da Sociedade

 

É neste cenário de estagnação e esperança que a aposentadoria do Ministro Luís Roberto Barroso do STF se torna um momento crucial. A vaga aberta não é apenas um cargo a ser preenchido; é uma oportunidade histórica de o Brasil começar a pagar sua dívida com 28% de sua população.

É por isso que a Educafro Brasil se une e apoia com toda a sua força a mobilização da sociedade civil. Um símbolo dessa luta é o abaixo-assinado liderado pela ativista Keit Lima, que, junto a movimentos como o Mulheres Negras Decidem, clama para que o Presidente Lula indique, pela primeira vez na história, uma mulher negra para o STF.

Essa não é uma demanda por "identitarismo", como acusam de má-fé alguns setores. É uma exigência por competência e por justiça. Os nomes de juristas negras de notável saber e trajetória impecável existem e são muitos, como já listado por diversas organizações. A ausência delas no poder não é por falta de mérito, mas por excesso de racismo e machismo.

Uma ministra negra no STF, como bem aponta a advogada Juliana Souza, "traria ao tribunal não apenas uma trajetória individual de mérito, mas uma agenda de inclusão que beneficia toda a sociedade". Ela levaria para a mais alta Corte a perspectiva de quem conhece a violência do Estado não como teoria, mas como experiência de vida.

 

Chamado à Ação

 

A Namíbia nos mostra que é possível. A história nos cobra. O futuro nos exige. A Educafro Brasil convoca toda a sua base, todos os seus aliados e todas as pessoas de bem a se engajarem nesta que é uma das lutas mais importantes do nosso tempo. Assine, divulgue e pressione.

A hora de o Brasil ter uma ministra negra no Supremo Tribunal Federal é agora.


 

Para Conhecer Mais e Militar Nesta Causa

 

Referências Bibliográficas:

  • BENTO, Cida. O Pacto da Branquitude. Editora Companhia das Letras, 2022.
    • Por que ler: Essencial para compreender os mecanismos invisíveis que garantem a manutenção de privilégios e a exclusão de pessoas negras dos espaços de poder no Brasil.
  • Carneiro, Sueli. Escritos de uma vida. Editora Jandaíra, 2018.
    • Por que ler: Uma coletânea fundamental da filósofa que é uma das maiores pensadoras sobre a condição da mulher negra no Brasil e a necessidade de enegrecer as estruturas de poder.
  • Gonzalez, Lélia. Por um feminismo afro-latino-americano. Editora Zahar, 2020.
    • Por que ler: Obra clássica que discute a interseccionalidade de raça, gênero e classe e a importância de um feminismo que parta da realidade e da perspectiva das mulheres negras.

Referências Audiovisuais:

  • Documentário "Justiça" (2004), de Maria Augusta Ramos.
    • Por que assistir: Um olhar profundo sobre o funcionamento do sistema de justiça brasileiro, que ajuda a entender a importância de ter perspectivas diversas dentro de um ambiente tão hermético e majoritariamente branco.
  • Entrevista com Sueli Carneiro no programa "Roda Viva" (2021).
    • Por que assistir: Uma aula sobre a história da luta do movimento negro e de mulheres negras no Brasil, com reflexões poderosas sobre a ocupação de espaços de poder. Disponível no YouTube.
  • Debates sobre a indicação ao STF.
    • Como acompanhar: Busque nos canais de jornalismo independente e em programas de debate político (como os do UOL, MyNews, etc.) as discussões sobre a sucessão do Ministro Barroso. Acompanhar os argumentos e os nomes citados é uma forma de se manter informado e ativo.
  • Abaixo-assinado (Link Fictício para Ilustração):

Justiça para Todos: A Lei é a Mesma para Roberto Jefferson e para o Jovem da Favela?

 

Nos últimos anos, o Brasil assistiu a cenas que nos forçam a fazer perguntas difíceis. Uma delas, que ficou gravada na memória do país, foi a prisão do ex-deputado Roberto Jefferson. Um homem que, entrincheirado em sua casa, atirou com fuzil e lançou granadas contra policiais federais que cumpriam uma ordem judicial.

Independentemente de quem ele seja ou do que pensemos dele, o fato é um só: um cidadão atacou agentes da lei. O que se seguiu foram oito horas de negociação paciente, a mobilização de um ministro de Estado e um tratamento cuidadoso para garantir sua rendição.

Nós, da Educafro Brasil, acreditamos que todo crime deve ser punido e que a lei deve ser cumprida. Mas o episódio nos obriga a uma reflexão honesta e profunda, uma pergunta que ecoa do asfalto ao morro: e se Roberto Jefferson fosse negro e pobre?

 

Dois Pesos, Duas Justiças?

 

Se um jovem negro, morador de uma favela, fosse pego em uma situação remotamente parecida, o Estado negociaria por oito horas, sem empurrar o pé na porta?. A resposta, infelizmente, nós já conhecemos.

A realidade cotidiana de nossas periferias é outra. Vemos com frequência operações que terminam em violência, onde a suspeita muitas vezes se baseia na cor da pele e no CEP. Quando um pobre enfrenta um policial, o desfecho é, não raro, trágico, e o boletim de ocorrência registra um "auto de resistência".

Perguntamos com todo respeito: no boletim da prisão de Roberto Jefferson, que atirou para matar, constou "auto de resistência"? Ou essa norma só vale para alguns brasileiros?.

Acreditamos em uma polícia forte, respeitada e que cumpre seu dever. Mas a força da polícia vem da sua justiça. E a justiça só existe quando a lei é aplicada da mesma forma para o homem rico em sua mansão e para o jovem pobre em seu barraco.

 

A Lição de um Santo Brasileiro e a Sede de Justiça

 

Essa busca por igualdade não é uma invenção de hoje. A nossa própria história de fé nos inspira. No século XVIII, em pleno regime da escravidão, o primeiro santo brasileiro, Frei Galvão, nos deu uma lição de coragem.

Conforme os documentos de sua canonização, Frei Galvão se insurgiu contra a ordem do governador de São Paulo de enforcar um soldado negro, Caetano José da Costa. O "crime" de Caetano? Ter tocado no filho do governador para apartar uma briga. O frade franciscano enfrentou a autoridade, sofreu ameaça de expulsão, mas, com o apoio do povo, conseguiu salvar a vida daquele homem.

Frei Galvão nos ensinou que a fé verdadeira se manifesta na defesa dos injustiçados. Como nos lembra o Evangelho, “Bem-aventurados os que têm fome e sede de Justiça” (Mateus 5). É essa fome e essa sede que nos movem.

 

O Caminho da Educafro: Recuperar Vidas, não Descartá-las

 

Alguns políticos insistem em soluções fáceis e equivocadas, como remover as câmeras das fardas policiais ou reduzir a maioridade penal. Nós acreditamos no contrário. As câmeras protegem os bons policiais da injustiça e protegem o cidadão da violência. Prender menores em presídios superlotados não recupera ninguém; apenas os entrega de vez ao crime organizado.

Nossa aposta é na recuperação e na oportunidade. É o caso do professor Roberto da Silva, um homem que, após passar pelo sistema prisional, se reergueu, formou-se e hoje tem pós-doutorado pela USP, onde já ajudou a formar dezenas de outros doutores. Ele é a prova viva de que a recuperação é possível e é o melhor caminho para o Brasil.

A brutalidade policial não é a solução. A solução é uma polícia que age com a mesma régua para todos. Defendemos a prisão e o julgamento justo de quem comete crimes, seja Roberto Jefferson ou qualquer outro cidadão, não importa se branco ou negro, rico ou pobre.

A polícia não deve atirar para matar. A polícia deve prender para que a Justiça possa julgar. É isso que fortalece a ordem, a lei e a própria autoridade policial.

A Educafro Brasil convida a todos, de todas as crenças e posições políticas, a refletir: o Brasil que queremos é um país de privilégios ou um país de justiça para todos? A resposta a essa pergunta definirá nosso futuro como nação.


 

Para Compreender o Tema e Aprofundar a Reflexão

 

Referências Bibliográficas:

  • BENTO, Cida. O Pacto da Branquitude. Editora Companhia das Letras, 2022.
    • Por que ler: Obra fundamental da psicóloga Cida Bento que conceitua o "pacto narcísico da branquitude", um acordo tácito entre pessoas brancas para manter privilégios. Ajuda a entender a base teórica por trás da diferença de tratamento dispensada a Roberto Jefferson e a um cidadão negro.
  • ALMEIDA, Silvio. Racismo Estrutural. Editora Jandaíra, 2019.
    • Por que ler: Explica como o racismo não é apenas um ato individual de preconceito, mas um sistema que opera dentro das instituições do Estado, como a polícia e o Judiciário, normalizando a desigualdade de tratamento.
  • FLAUZINA, Ana Luiza Pinheiro. Corpo Negro Caído no Chão: O sistema penal e o projeto genocida do Estado brasileiro. Editora Contracorrente, 2017.
    • Por que ler: Uma análise jurídica contundente sobre como o sistema penal brasileiro elege o corpo negro como seu alvo principal, conectando a violência policial à lógica do encarceramento em massa e do genocídio.
  • Anuário Brasileiro de Segurança Pública. Fórum Brasileiro de Segurança Pública (publicação anual).
    • Por que consultar: Apresenta os dados estatísticos mais confiáveis sobre violência, letalidade policial e encarceramento no Brasil, sempre com recortes de raça/cor, provando numericamente a disparidade abordada no artigo.

Referências Audiovisuais:

  • Cobertura Jornalística da Prisão de Roberto Jefferson (outubro de 2022).
    • Por que assistir: Buscar nas retrospectivas e arquivos de grandes portais (G1, UOL, CNN Brasil) as reportagens da época. Observar o tom da cobertura, a longa negociação e as falas das autoridades é essencial para contrastar com a abordagem violenta comum nas periferias.
  • Documentário "Notícias de uma Guerra Particular" (1999), de João Moreira Salles e Kátia Lund.
    • Por que assistir: Um clássico que, embora não seja recente, expõe de forma crua a lógica da "guerra" nas favelas do Rio de Janeiro, mostrando a perspectiva de moradores, policiais e traficantes, e ajudando a entender a origem da mentalidade de confronto que vitimiza a população pobre e negra.
  • Entrevista com Cida Bento no programa "Roda Viva" (2022).
    • Por que assistir: A autora explica de forma didática e acessível o conceito do "Pacto da Branquitude" e como ele se manifesta em situações cotidianas e em grandes eventos, como o caso Roberto Jefferson. Disponível no YouTube.
  • Podcast "Mano a Mano", episódio com Silvio Almeida (2021).
    • Por que ouvir: O atual Ministro dos Direitos Humanos e da Cidadania aprofunda o conceito de racismo estrutural em uma conversa franca com o rapper Mano Brown, tornando o tema acessível e conectando-o com a realidade da periferia. Disponível no Spotify.