A cadeira que pertenceu ao Ministro Luís Roberto Barroso no Supremo Tribunal Federal (STF) está vaga. No xadrez político de Brasília, a movimentação é intensa, com nomes de homens sendo apontados como favoritos nos bastidores do poder. Para nós, contudo, esta não é uma mera disputa por um cargo. É um momento de cobrança histórica.
Em 134 anos de existência, o STF já foi ocupado por 172 ministros. Desses, apenas três foram mulheres. Nenhum, absolutamente nenhum, foi uma mulher negra. Somos mais da metade da população brasileira e 28% do total demográfico do país, mas para a mais alta Corte de Justiça, somos invisíveis.
A aposentadoria do Ministro Barroso, que declarou ver “com gosto, com simpatia a escolha recair por uma mulher”, não abre apenas uma vaga. Ela abre uma janela para que o Presidente da República, em sua terceira chance, corrija essa injustiça secular.
Um Coro de Vozes por Justiça
A demanda não é solitária. É um coro potente e articulado. Organizações como o Fórum Justiça, a Plataforma Justa e a Themis Gênero se uniram para apresentar uma lista de mulheres juristas de competência inquestionável, reforçando que a diversidade e a excelência técnica caminham juntas. O movimento Mulheres Negras Decidem e a Marcha Global de Mulheres Negras lembram que “Lula tem a chance de fazer avançar uma demanda histórica”.
O Instituto de Defesa da População Negra (IDPN), em carta enviada ao presidente, foi direto: a população negra foi decisiva para sua eleição e agora reivindica ser ouvida. Não pedimos cargos, como afirma a carta, “construímos um projeto de país”. Um projeto que exige ver a nós mesmos refletidos nos espaços onde o destino desse país é decidido.
Mais que Simbolismo, Uma Revolução na Justiça
A presença de uma mulher negra no STF não é um mero simbolismo. É uma necessidade para a própria saúde da Justiça brasileira. Como afirma a advogada Juliana Souza à revista Marie Claire, “tribunais compostos por perspectivas diversas de gênero, de origem e de trajetórias, tendem a produzir decisões mais equilibradas, sensíveis e conectadas com a complexidade da sociedade”.
Uma jurista negra não levaria para a Corte apenas seu notável saber jurídico. Levaria a vivência de quem conhece na pele o que é o racismo institucional, a dor de ter sua palavra posta em dúvida, a experiência de uma vida inteira de superação de barreiras que para outros não existem. Como pontua a jurista Maíra Vida, essa presença representa um “elemento crítico e argumentativo” que questiona um pensamento constitucional “predominantemente branco e masculino”.
A pergunta não é por que indicar uma jurista negra, mas, como questiona Maíra Vida, “por que não?”.
Os Nomes Existem. A Competência é Inquestionável.
A falácia de que “não há nomes qualificados” já foi derrubada. Diversas listas circulam, apresentadas por movimentos e especialistas, repletas de juristas negras e não negras de trajetórias brilhantes. Entre os nomes citados pela imprensa, destacam-se:
- Adriana Cruz, juíza e ex-secretária-nacional do CNJ;
- Daniela Teixeira, ministra do STJ;
- Edilene Lôbo, advogada e ex-ministra substituta do TSE;
- Karen Luise Vilanova, juíza e integrante do CNMP;
- Lívia Sant’Anna Vaz, promotora de Justiça;
- Maria Elizabeth Rocha, presidenta do Superior Tribunal Militar;
- Sheila de Carvalho, secretária nacional de Acesso à Justiça;
- Vera Lúcia Araújo, ministra substituta do TSE.
E muitas outras. A competência nunca foi o problema. O problema sempre foi a cor.
A Política, a Realidade e a Nossa Luta
Sabemos que os nomes favoritos do presidente, segundo a imprensa, são homens. Analistas apontam que o critério para a escolha tem sido a “confiança absoluta” e a capacidade de servir como “contenção ao bolsonarismo”.
Respeitamos a prerrogativa presidencial, mas argumentamos: a maior contenção ao autoritarismo é o aprofundamento da democracia. E não há democracia plena enquanto a maioria da população não se vê representada em sua mais alta Corte. A confiança do presidente deve se estender à base que o elegeu, e a população negra foi e é parte fundamental dessa base.
A indicação de uma mulher negra não seria apenas um ato de reparação. Seria um ato de inteligência política e de fortalecimento institucional. Seria a mensagem de que o Brasil está, finalmente, disposto a encarar de frente o seu racismo estrutural e a construir uma Justiça que seja, de fato, para todos.
A hora é agora. A vaga é da reparação. E nós não vamos nos calar.
Créditos e Referências:
Este artigo se baseia nas excelentes reportagens publicadas nos últimos dias por veículos que estão cobrindo este debate crucial. Damos o devido crédito a:
- Revista Marie Claire: “Aposentadoria de Barroso reacende debate sobre representatividade feminina no STF…”.
- g1: “STF só teve 3 mulheres ministras em sua história, e movimentos sociais começam a cobrar Lula…”.
- Metrópoles (coluna de Igor Gadelha): “Em carta a Lula, instituto cobra indicação de ministra negra ao STF”.
- BBC News Brasil: “Indicação para vaga de Barroso deve ter perfil político, dizem analistas…”.
- Folha de S.Paulo (coluna Painel): “Movimento pressiona Lula a indicar jurista negra a vaga de Barroso no STF”.

