Iniciativa inovadora, desenvolvida por uma equipe de mais de 90 profissionais negros, oferece materiais pedagógicos gratuitos para aprofundar o debate sobre as hierarquias raciais no país.

Nesta sexta-feira, 3 de outubro, foi lançado o website “Linha de Cor”, uma poderosa ferramenta de pesquisa e educação que mapeia como as leis e projetos políticos no Brasil historicamente estruturaram o racismo. O lançamento ocorreu durante um seminário na Universidade de Brasília (UnB), marcando a disponibilização pública de um acervo fundamental para a luta antirracista.

O projeto, idealizado pela cineasta e artista visual Mariana Luiza, é uma iniciativa transmídia que vai além do website, englobando uma profunda pesquisa acadêmica, um programa de educação, a exposição de artes visuais “Constituinte do Brasil Possível” e o filme “A Cor da Margem”. A Educafro Brasil celebra e divulga esta importante ferramenta, que se alinha à nossa missão de promover uma educação libertadora e de qualidade para a população negra e periférica.

Coordenada pelas professoras Dras. Ana Flávia Magalhães Pinto (UnB) e Thula Pires (PUC-Rio), a pesquisa, iniciada em 2018, foi conduzida por uma equipe majoritariamente negra, composta por mais de 90 pessoas, incluindo pesquisadores, historiadores e juristas. O objetivo central é claro: fortalecer a educação antirracista no Brasil, oferecendo conteúdo robusto e acessível.

A plataforma disponibiliza uma linha do tempo interativa com mais de 120 verbetes jurídicos, que vão desde 1823 até a Constituição de 1988. Esses documentos revelam, de forma inequívoca, o caráter racista de muitas das leis que moldaram a nação e sustentaram uma política de branqueamento racial.

Contudo, o “Linha de Cor” não se limita a denunciar a opressão. O site também dá o devido destaque às inúmeras formas de resistência, individuais e coletivas, que a população negra construiu para enfrentar essas estruturas. Essa abordagem é essencial para a construção de uma memória histórica que reconheça o protagonismo e a agência do povo negro na formação do Brasil.

Como destaca a historiadora Ana Flávia Magalhães, “a fixação da gente negra às imagens da escravidão tem servido até mesmo para que não se enfrente a centralidade do racismo na formação desta Nação. Como memória é política, o projeto busca oferecer subsídios para que a disputa por uma real democracia ocorra em melhores condições”.

 

Ferramenta para Educadores

 

Um dos destaques do projeto é o seu compromisso com a educação básica. O site oferece planos de aula gratuitos, especialmente desenvolvidos para auxiliar educadores no cumprimento das Leis 10.639/2003 e 11.645/2008. Esses materiais são recursos valiosos para a implementação de práticas pedagógicas antirracistas em salas de aula e outros espaços educativos, em total consonância com os objetivos da Educafro.

A coordenadora de pesquisa, Thula Pires, ressalta a importância de disputar as narrativas hegemônicas: “Denunciar essa estrutura é fundamental, mas igualmente essencial é disputar os imaginários políticos invisibilizados pela história oficial, abrindo espaço para outras percepções e construções de vida e cidadania plenas em nossa sociedade”.

A Educafro Brasil convida toda a sua comunidade – estudantes, educadores, ativistas e parceiros – a explorar, utilizar e divulgar o site www.linhadecor.com. Trata-se de uma ferramenta indispensável para compreendermos as raízes do racismo estrutural e, a partir desse conhecimento, fortalecermos nossa luta por um Brasil verdadeiramente justo e igualitário.


Este artigo foi produzido com informações da reportagem “Website mostra linha do tempo de leis que estruturaram o racismo no Brasil”, publicada originalmente pelo portal Alma Preta.


 

Para ir além: um guia de referências para fortalecer a luta antirracista

 

Iniciativas como a “Linha de Cor” são fundamentais, mas fazem parte de um ecossistema vibrante de produção de conhecimento e tecnologia preta. Para ampliar o repertório e fortalecer nossa comunidade, listamos outras plataformas, profissionais e referências essenciais:

 

Plataformas e Projetos para Conhecer

 

  • Geledés – Instituto da Mulher Negra: Um dos portais pioneiros na luta contra o racismo e o sexismo no Brasil, oferecendo notícias, artigos e materiais sobre gênero, raça e políticas públicas.
  • Nós, Mulheres da Periferia: Agência de jornalismo independente que visibiliza as narrativas e vivências de mulheres das periferias de São Paulo e do Brasil.
  • Afro.TV: Canal de streaming e produtora de conteúdo focado em narrativas, cultura e entretenimento negro, funcionando como uma janela para a diversidade da produção audiovisual preta.
  • Inventivos: Plataforma que conecta e dá visibilidade a empreendedores e criativos negros de diversas áreas, fortalecendo a economia e a inovação dentro da comunidade.

 

Profissionais Negros para Acompanhar

 

  • Silvio Almeida: Filósofo, jurista e atual Ministro dos Direitos Humanos e da Cidadania. Seu trabalho sobre racismo estrutural é uma referência indispensável para entender o Brasil contemporâneo.
  • Djamila Ribeiro: Filósofa, escritora e ativista. Suas obras, como “Pequeno Manual Antirracista”, popularizaram conceitos complexos e são essenciais para a formação de novos militantes.
  • Preto Zezé: Ativista, produtor cultural e presidente global da CUFA (Central Única das Favelas). Sua atuação é focada em articular potências e gerar oportunidades a partir da favela.
  • Carla Akotirene: Doutora em Estudos de Gênero, Mulheres e Feminismo e autora do livro “O que é interseccionalidade?”, obra fundamental para compreender o cruzamento de opressões.

 

Referências Audiovisuais Essenciais

 

  • “Amarelo – É Tudo Pra Ontem” (2020), de Emicida: Documentário disponível na Netflix que costura a história da cultura negra no Brasil com os bastidores do show do rapper no Theatro Municipal de São Paulo.
  • “Medida Provisória” (2022), de Lázaro Ramos: Filme de ficção que imagina um futuro distópico onde o governo brasileiro decreta que todos os cidadãos negros devem se mudar para a África, gerando um profundo debate sobre identidade e pertencimento.
  • “Doutor Gama” (2021), de Jeferson De: Cinebiografia que narra a história de Luiz Gama, um dos maiores abolicionistas do Brasil, que usou a lei para libertar mais de 500 pessoas escravizadas.
  • Série “Guerras do Brasil.doc” (Episódio sobre a Guerra do Paraguai): Produção da Netflix que, em seu primeiro episódio, aborda a formação do exército brasileiro com homens negros escravizados e a complexidade racial do conflito.

 

Referências Bibliográficas Fundamentais

 

  • “Racismo Estrutural” (2019), de Silvio Almeida: Um livro conciso e poderoso que define e explora como o racismo está na base da estrutura social, política e econômica do Brasil.
  • “Quarto de Despejo: Diário de uma Favelada” (1960), de Carolina Maria de Jesus: Um clássico da literatura brasileira que expõe a realidade da pobreza e da luta pela sobrevivência de uma mulher negra na favela do Canindé.
  • “A Abolição” (2018), de Lilia M. Schwarcz: Obra da historiadora que analisa o longo e complexo processo da abolição da escravatura, destacando suas contradições e o legado para a população negra.
  • “Úrsula” (1859), de Maria Firmina dos Reis: Considerado o primeiro romance abolicionista e o primeiro escrito por uma mulher negra no Brasil, oferece uma perspectiva única sobre a crueldade da escravidão.

 

O que ainda podemos construir: Ideias para o Futuro

 

Inspirados pela “Linha de Cor”, podemos sonhar com outras plataformas criativas e necessárias:

  • Mapa Interativo do Empreendedorismo Negro: Uma plataforma de geolocalização para encontrar e apoiar negócios de pessoas negras em todo o Brasil, desde restaurantes e salões de beleza até serviços de tecnologia e consultoria.
  • Arquivo Digital da Memória Quilombola: Um banco de dados online, colaborativo e audiovisual para preservar as histórias, tradições orais, tecnologias sociais e a memória dos quilombos do Brasil.
  • Plataforma de Mentoria para Jovens Negros: Um espaço que conecte estudantes e jovens profissionais negros com especialistas de diversas áreas para orientação de carreira, desenvolvimento de projetos e acesso a oportunidades.
  • “Pretopedia”: Uma enciclopédia online, nos moldes da Wikipédia, focada em registrar biografias, conceitos, eventos históricos e produções culturais da diáspora africana no Brasil, combatendo o apagamento histórico.