Fonte: Públicação original Perfil prof.marinhosoares
Promotor no RS Sugere “Chibatadas” a Réu Negro, Expondo o Racismo Estrutural no Sistema de Justiça
Um episódio de racismo explícito, vindo de quem deveria ser um guardião da lei, chocou o Brasil e viralizou nas redes sociais, levantando um intenso debate sobre a presença do preconceito racial nos tribunais do país. Durante uma sessão do Tribunal do Júri em São José do Norte (RS), um promotor de justiça sugeriu que um réu negro não estaria sendo julgado por um crime se tivesse recebido “chibatadas na infância”.
A fala, carregada de um simbolismo que remete diretamente ao período da escravidão, não apenas ultrajou os presentes, mas também serviu como um amargo lembrete de que o racismo estrutural ainda permeia as instituições que deveriam garantir a igualdade de todos perante a lei.
Conforme noticiado pelo portal UOL, a repercussão do caso foi imediata:
Promotor diz que réu negro não seria criminoso se tivesse levado chibatadas
Tiago Minervino, Colaboração para o UOL, em São Paulo, 30/08/2025
“A Corregedoria do Ministério Público do Rio Grande do Sul instaurou procedimento para apurar acusação de racismo contra um promotor que sugeriu durante audiência que um réu negro não cometeria crimes se tivesse recebido ‘chibatadas na infância’. A fala racista ocorreu em sessão do Tribunal do Júri da cidade de São José do Norte, na última quarta-feira. Na ocasião, o promotor teria dito que ‘se o réu tivesse recebido chibatadas quando criança, tal…'”
O Crime e a Lei: O Que Diz a Legislação Brasileira
A declaração do promotor Jaimes dos Santos Gonçalves, como foi posteriormente identificado, não é apenas uma “fala infeliz”, mas uma conduta que pode ser enquadrada criminalmente. A legislação brasileira é robusta no combate ao racismo:
- Crime de Racismo (Lei nº 7.716/1989): Esta lei define os crimes resultantes de preconceito de raça ou de cor. A conduta de praticar, induzir ou incitar a discriminação ou preconceito é crime, sendo inafiançável e imprescritível.
- Injúria Racial (Art. 140, § 3º do Código Penal): Originalmente, a injúria racial se referia à ofensa à honra de um indivíduo utilizando elementos de raça, cor, etnia, etc. Contudo, a Lei 14.532/23 equiparou a injúria racial ao crime de racismo. Isso significa que, mesmo que a ofensa seja dirigida a um indivíduo específico, ela é tratada com a mesma gravidade do racismo, sendo também um crime inafiançável e que não prescreve.
A fala do promotor, no exercício de sua função pública, agrava a situação, pois mina a confiança da população no sistema de justiça e sugere que a cor da pele de um cidadão pode influenciar a forma como ele é visto ou julgado pelo Estado. A Corregedoria do Ministério Público gaúcho já instaurou um procedimento administrativo para apurar a conduta, que pode resultar em sanções disciplinares como advertência, suspensão ou até a perda do cargo.
Um Padrão Recorrente: O Racismo nos Tribunais
O caso de São José do Norte está longe de ser um incidente isolado. Relatórios e estudos acadêmicos vêm, há anos, apontando para a existência de um racismo institucionalizado no sistema de justiça brasileiro. Uma pesquisa recente da Universidade de São Paulo (USP) e da Universidade Federal Fluminense (UFF) concluiu que o sistema “produz, reproduz e institucionaliza o racismo estrutural”.
Essa realidade se manifesta de diversas formas: na abordagem policial seletiva, na desconfiança com a palavra de testemunhas negras, em sentenças que usam a raça como um fator para valorar negativamente a conduta de um réu e em falas como a do promotor gaúcho, que desumanizam o indivíduo e evocam um passado de violência brutal.
Repercussão e a Resposta da Sociedade Civil
A reação à fala do promotor foi imediata e contundente. O vídeo que acompanha esta matéria, gravado por Professor Marinho Soares, liderança da comunidade negra e da Educafro Bahia que assim como a Educafro Brasil, uma das mais importantes organizações do movimento negro no país, ilustra a indignação e a mobilização gerada pelo caso. No vídeo, o ativista classifica a declaração como uma “sandice” e convoca a sociedade a agir, anunciando a intenção da organização de entrar com uma ação coletiva contra o Ministério Público do Rio Grande do Sul por ato racista.
Essa mobilização é fundamental, pois joga luz sobre o problema e pressiona as instituições a agirem com a celeridade e a seriedade que o tema exige.
Como Combater o Racismo no Sistema de Justiça?
Para que casos como este não se repitam, são necessárias medidas profundas e coordenadas. A solução passa por um caminho multifacetado:
- Letramento Racial Obrigatório: É imperativo que todos os agentes do sistema de justiça — juízes, promotores, defensores, delegados e servidores — passem por uma formação contínua e aprofundada sobre relações étnico-raciais no Brasil, compreendendo a história e as consequências do racismo.
- Responsabilização Efetiva: A apuração de condutas racistas precisa ser rigorosa e transparente, com punições exemplares que demonstrem tolerância zero com qualquer tipo de discriminação.
- Aumento da Diversidade: A baixa representatividade de negros e negras em cargos de poder no judiciário e no Ministério Público é um fator que perpetua visões de mundo hegemônicas e preconceituosas. A ampliação e o fortalecimento de políticas de cotas são essenciais para criar um sistema mais plural e justo.
- Vigilância Social: A sociedade civil e a imprensa têm um papel crucial em denunciar e cobrar respostas para esses abusos, garantindo que não caiam no esquecimento.
O episódio da “chibatada” é um doloroso sintoma de uma doença social que o Brasil ainda precisa curar. Tratar a fala do promotor não como um desvio, mas como a manifestação de um problema estrutural, é o primeiro passo para garantir que a justiça seja, de fato, cega à cor da pele.
Edição: As posições descritas não representam formalmente a entidade Educafro Brasil, a redação se limita a reproduzir parcialmente conteúdos relacionados a temas em que a entidade atua livremente.