O racismo não é uma questão do passado. Ele é uma realidade brutal que se manifesta diariamente e, chocantemente, os números comprovam sua escalada. Dados recentes do 19º Anuário Brasileiro de Segurança Pública, divulgados em 24 de julho de 2025, revelam uma verdade incômoda: os casos de racismo na Paraíba aumentaram quase 390% em apenas um ano!
Esse salto assustador – de 13 registros em 2023 para 64 em 2024 – faz da Paraíba o estado com o maior crescimento proporcional de casos de racismo no Brasil. A injúria racial, que é quando a agressão atinge o indivíduo, também disparou: de 121 para 199 registros no mesmo período, um aumento de 63,6%.
Mas não é só a Paraíba que sofre. A média nacional também reflete essa triste tendência:
- Casos de racismo (contra a coletividade): Aumentaram de 14.919 em 2023 para 18.923 em 2024.
- Casos de injúria racial (contra o indivíduo): Saltaram de 12.813 para 18.200 no mesmo período.
Esses números não são apenas estatísticas; são a prova dolorosa de um racismo que persiste, se reinventa e exige nossa atenção e ação imediata.
Racismo e Injúria Racial: Entendendo a Diferença para Lutar Melhor
É fundamental entender a diferença entre esses dois crimes para compreendermos a dimensão do problema:
- Racismo (Lei nº 7.716/1989): É quando a discriminação atinge um grupo ou coletividade por sua raça, cor, etnia, religião ou origem. Por exemplo, impedir que pessoas negras acessem um local, um emprego ou um serviço. A pena é de 1 a 3 anos de prisão e, por ser inafiançável e imprescritível (não tem prazo para a punição acabar), é considerado um crime mais grave.
- Injúria Racial (Código Penal): Ocorre quando há o uso de palavras ou gestos depreciativos com a intenção de ofender a honra de uma pessoa individualmente por sua raça ou cor. A pena também é de 1 a 3 anos, mas, diferentemente do racismo, permite fiança e o crime pode prescrever.
Essa distinção legal é crucial, pois muitas vezes o racismo velado ou “recreativo” é enquadrado como injúria, diminuindo a gravidade do ato e, consequentemente, a punição.
Um Paralelo entre os Dados: A Ferida da Impunidade no Judiciário
Os números crescentes de casos de racismo e injúria racial ganham um tom ainda mais sombrio quando os cruzamos com outra realidade que a Educafro Brasil tem denunciado incansavelmente: a impunidade de racistas no próprio sistema de justiça.
Como destacamos em artigos anteriores, baseados em levantamentos de 2020 do Brasil de Fato: em 10 anos, NENHUM juiz havia sido punido por racismo em processos abertos no CNJ. Casos como o da juíza Inês Marchalek Zarpelon, que associou a raça de um suspeito ao crime, ou o da juíza Lissandra Reis Ceccon, que afirmou que um réu não tinha “estereótipo de bandido” por ter “pele, olhos e cabelos claros”, foram arquivados ou tiveram desfechos brandos.
Esses exemplos escancaram o que pensadores como Silvio Almeida, autor de “Racismo Estrutural”, nos alertam: o racismo não é apenas um ato isolado de preconceito, mas uma parte intrínseca das estruturas da nossa sociedade, incluindo o Judiciário. A “naturalização” do racismo, como bem apontou Sheila Carvalho, da OAB-SP em 2020, impede que o sistema se enxergue como racista e, consequentemente, dificulta a punição.
A impunidade, como salienta o advogado e professor Thiago Amparo, gera a subnotificação das denúncias. Se a vítima não acredita que haverá uma investigação séria e uma punição justa, a tendência é que ela nem sequer denuncie.
Demografia, História e Sociologia: A Raiz do Problema
O Brasil é um país com uma das maiores populações negras fora da África, reflexo de séculos de escravidão. Essa herança histórica deixou marcas profundas, construindo uma sociedade onde o acesso à educação, saúde, moradia e justiça é drasticamente desigual.
- Abolição Incompleta: Como bem lembra Abdias do Nascimento, um dos maiores pensadores negros brasileiros, a abolição da escravidão em 1888 foi “incompleta”, não veio acompanhada de políticas de inclusão social e econômica para a população negra. Isso resultou na marginalização e na perpetuação de estereótipos racistas.
- Hierarquia Racial: A socióloga Lélia Gonzalez nos ensinou sobre a construção de uma hierarquia racial no Brasil, onde a negritude é desvalorizada e associada a estereótipos negativos, enquanto a branquitude é vista como padrão.
- O Mito da Democracia Racial: Durante muito tempo, o Brasil se escondeu atrás do mito de uma “democracia racial”, que mascarava as profundas desigualdades e violências sofridas pela população negra. Pensadores como Florestan Fernandes, em sua obra “A Integração do Negro na Sociedade de Classes”, desmistificaram essa ideia, mostrando que a discriminação persistia.
Esses elementos históricos e sociológicos são a base para entender por que, mesmo com leis de combate ao racismo, os casos aumentam e a punição é tão rara, especialmente no Judiciário, um pilar da estrutura social.
A Luta por Justiça: Vozes Que Inspiram
Diante desse cenário, a luta por justiça racial se torna mais urgente do que nunca. Vozes potentes, nacionais e internacionais, nos guiam nessa jornada:
- No Brasil:
- Conceição Evaristo: Com sua “escrevivência”, nos mostra a força e a resiliência do povo negro, denunciando as injustiças sociais.
- Djamila Ribeiro: Em “Pequeno Manual Antirracista”, oferece ferramentas para o combate diário ao racismo, convidando a todos para a reflexão e a ação.
- Sueli Carneiro: Uma das maiores intelectuais negras do Brasil, tem desvendado as complexidades do racismo e do machismo no país, apontando caminhos para a libertação.
- Ailton Krenak: Pensador indígena que nos convida a repensar nossa relação com o mundo e a combater todas as formas de opressão.
- No Mundo:
- Angela Davis: Com sua análise sobre raça, gênero e classe, nos inspira a lutar por um mundo mais justo, onde a liberdade seja para todos.
- bell hooks: Pensadora que abordou a interseccionalidade das opressões, mostrando como raça, gênero e classe se entrelaçam.
- Ta-Nehisi Coates: Em “Entre o Mundo e Eu”, oferece uma poderosa reflexão sobre a experiência negra nos Estados Unidos e a persistência do racismo.
Educafro Brasil: Na Frente de Batalha!
Na Educafro Brasil, compreendemos que o combate ao racismo é multifacetado. Não basta apenas combater a discriminação no dia a dia; é preciso atuar na base, garantindo o acesso à educação e cobrando que o sistema de justiça seja, de fato, justo e equitativo.
Os dados de 2024/2025 são um chamado à ação. Precisamos fortalecer a denúncia, exigir que as leis sejam cumpridas e que os racistas sejam punidos, independentemente de sua posição social. É crucial que o Poder Judiciário reflita a diversidade da população brasileira e que seus membros estejam comprometidos com a erradicação do racismo em todas as suas formas.
A Educafro Brasil segue na linha de frente, construindo pontes para a educação e levantando a voz contra toda e qualquer forma de racismo e impunidade. Junte-se a nós nessa luta! A justiça que queremos e merecemos só será alcançada com a participação e o engajamento de todos.
Referências para aprofundamento:
- Livros: “Racismo Estrutural” (Silvio Almeida), “O que é racismo recreativo?” (Adilson Moreira), “Pequeno Manual Antirracista” (Djamila Ribeiro), “Quarto de Despejo” (Carolina Maria de Jesus), “Olhos d’Água” (Conceição Evaristo).
- Relatórios e Anuários: 19º Anuário Brasileiro de Segurança Pública (Fórum Brasileiro de Segurança Pública), “Justiça em Números” (CNJ), “Diagnóstico Étnico-Racial no Poder Judiciário” (CNJ).
- Artigos e Entrevistas: Busque por artigos e entrevistas com os pensadores mencionados (Silvio Almeida, Djamila Ribeiro, Sueli Carneiro, Thiago Amparo, Sheila Carvalho, Angela Davis, bell hooks) em portais de notícias e acadêmicos.
- Instituições: Acompanhe o trabalho do CNJ, Fórum Brasileiro de Segurança Pública, Coalizão Negra Por Direitos, Geledés – Instituto da Mulher Negra, e outras organizações antirracistas.