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Dez maiores bancadas têm irregularidades na destinação de verbas públicas para candidaturas de mulheres e negros; com apoio suprapartidário, proposta que livra legendas de punições por falha nas prestações de contas está na pauta da CCJ desta terça-feira
Por Jan Niklas — Rio

15/05/2023 04h30 Atualizado 15/05/2023

Discussão e Votação de Propostas legislativas na CCJ Billy Boss/Câmara dos Deputados

Levantamento do GLOBO com base na prestação de contas parcial dos candidatos entregue ao Tribunal Superior Eleitoral (TSE) mostra que a maioria dos partidos não cumpriu as regras de repasses de verbas do fundo eleitoral para candidaturas de mulheres e negros em 2022. Todos os dez partidos com as maiores bancadas no Congresso Nacional — como PL, PT e PSD — estão com irregularidades nas cotas afirmativas.

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Para fugirem de eventuais sanções, parlamentares articulam uma nova Proposta de Emenda Constitucional (PEC) que anistia as legendas de qualquer falha nas prestações de contas eleitorais. O tema está na pauta da Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) de amanhã e deve ser analisada nesta semana. A tendência é de aprovação, já que o texto reúne amplo apoio, em um arco suprapartidário.

Entre as punições previstas pela lei para esse tipo de descumprimento estão a suspensão de repasses do fundo eleitoral; devoluções do valor gasto de forma irregular que pode ser descontado do partido nos exercícios seguintes; além de multas. Apesar da prestação de contas de 2022 já ter sido entregue pelos partidos ao TSE, a Corte tem um prazo de até cinco anos para analisar e julgar os processos.

Essa prática de buscar atalhos jurídicos para isentar os partidos com irregularidades nos gastos com cotas ocorre desde 2018, quando foi fixada a destinação do mínimo de 30% dos recursos de campanha para mulheres. Como a manobra acaba beneficiando a maioria das siglas, as anistias costumam ter apoio tanto do governo como oposição e ser aprovadas sem dificuldades.

Em 2022, pretos e pardos representaram 50,21% dos candidatos, mas receberam apenas 37% dos recursos. Dos 30 partidos analisados pelo GLOBO, apenas oito distribuíram os recursos dos fundos partidário e especial de forma proporcional e correta para esse grupo. São eles Avante, PCdoB, PMB, PSOL, PSTU, Rede, União Brasil e UP.

No caso das candidaturas femininas, 40% dos partidos não chegaram a bater nem mesmo a cota mínima de 30% do recurso de campanha para financiar mulheres. Além disso, 21 das 30 siglas não garantiram proporcionalidade nos repasses no recorte por gênero.

Proporcionalidade
Foram excluídos do levantamento o Novo — que não usava financiamento público até então — e o PCB, que não tem os dados disponibilizados no sistema do TSE. A Justiça Eleitoral determina que os partidos precisam destinar a verba do fundo eleitoral de forma proporcional para as mulheres, com a cota mínima de 30%. No caso dos negros, também vale regra da proporcionalidade, mas não há um piso.

O PSDB foi o partido que ficou mais distante de repassar o que efetivamente deveria para candidaturas negras. A sigla destinou apenas 19% para o grupo, enquanto o mínimo deveria ser 45%. Outro destaque negativo é o MDB, que teve metade de seus candidatos negros, mas aportou somente 29% do “fundão”.

Já o PT está entre os piores índices em relação às duas regras. Apesar de ter 49% de candidatos pretos e pardos, destinou apenas 28% das verbas para esse grupo. As mulheres corresponderam a 36,9% das candidaturas petistas, mas receberam somente 27,8%.

A análise das prestações de contas mostra que os diretórios partidários privilegiam homens e brancos, deixando negros e mulheres em desvantagem na disputa eleitoral pela falta de financiamento. Segundo o professor e membro da Academia Brasileira de Direito Eleitoral e Político Volgane Carvalho, isso ocorre porque os partidos ainda são dominados por homens brancos, que não enxergam essas candidaturas como fontes potenciais de votos.

Medidas fragilizadas
Mesmo com o TSE reforçando a legislação da política de cotas nos últimos anos, os partidos políticos seguem descumprindo as regras. Carvalho destaca que atualmente as sanções acabam sendo mais aplicadas individualmente, em candidatos com irregularidades.

Já em relação aos partidos, a Justiça encontra mais dificuldade de assegurar o cumprimento das regras, principalmente por conta dos sucessivos atalhos legislativos que eles encontraram para se proteger.

— Essa nova PEC da anistia passa uma mensagem para a sociedade de que os políticos criam normas para não precisar obedecer. Isso acaba fragilizando a criação de políticas públicas que incentivam mulheres e negros a se candidatarem, pois dinheiro para campanha é essencial. É ruim para o sistema partidário, democrático, eleitoral, e para visão que a sociedade tem dos políticos — avalia Carvalho.

Em reação à PEC, representantes da sociedade civil estão fazendo uma ofensiva para tentar barrar o projeto. Um grupo de 65 entidades divulgou uma nota contrária à proposta, argumentando que ela é “flagrantemente inconstitucional” e transforma em “letra morta” a lei que baliza as prestações de contas eleitorais.

“A proposta em questão coloca em jogo milhões de reais de dinheiro público que foram usados indevidamente por partidos políticos, quase metade dos quais não destinaram os valores proporcionais para candidaturas de mulheres e pessoas negras nas eleições de 2022”, diz um trecho do texto, assinado por entidades como Instituto Vladimir Herzog, Open Knowledge Brasil, Transparência Partidária e Transparência Eleitoral Brasil.

A reportagem do GLOBO procurou os dez maiores partidos sobre o tema, mas não teve retorno até o fechamento desta matéria.

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